No ano em que se comemora os cento e noventa anos da imigração teuta ou alemã no Brasil, também se comemora os cento e quinze anos de fundação da Musterkolonie ( colônia modelar) Neu-Württemberg. Ali, no ano de 1904, fundou-se a primeira cooperativa do norte, nordeste e noroeste do Rio Grande do Sul. Esta cooperativa foi denominada de Genossenschaft (cooperativa) Neu– Württemberg. No final do ano de 1902, quando migrou para cá o pastor Hermann Faulhaber, em sua bagagem, além dos equipamentos de uma estação de pesquisas agrícolas e do clima da região também havia um plano de desenvolvimento da recém-fundada Colônia, escrito pelo fundador, Dr. Herrmann Meyer. Ele era proprietário do mundialmente conhecido Instituto Bibliográfico (editora e comércio de livros) da cidade alemã de Leipzig que aqui foi o amparo econômico para o empreendimento colonizador. Neste plano estava descrito minunciosamente que os colonos assentados deviam se organizar em cooperativas, com as quais eles poderiam produzir e vender os seus produtos e também se abastecer com gêneros de primeira necessidade a partir dos portos da região, que eram Porto Alegre e Rio Grande. É importante transcrever o que Meyer determinou para o então diretor da Colônia, Eng. Horst Hoffmann, através do imigrante Pastor Faulhaber, o portador do plano de desenvolvimento que previa uma cooperativa de produção e consumo para a recém– fundada Colônia.
“… Para a venda dos produtos colhidos, desde que não sejam consumidos na colônia existe a cidade mais próxima, chamada de Cruz Alta, para onde os colonos vão de carroça; de lá os produtos podem ser mandados adiante pela estrada de ferro. Para conseguir melhores preços para os seus produtos e também para os colonos poderem adquirir produtos importados mais baratos, trabalha-se no sentido de manter ligação direta com Porto Alegre e evitar o comércio intermediário, que só encarece as mercadorias. Sendo que para os fornecimentos diretos aos portos serão necessárias maiores quantias que não se coadunam com o comércio individual dos colonos. A direção da Colônia está tratando de organizar instalações cooperativadas de diversas formas. O Pastor Faulhaber dedica atenção especial a estas modalidades econômicas.
Para o benefício da colonização no sul do Brasil, em geral deverá ser instalada uma Estação Experimental Agrícola, cuja instalação e funcionamento com uma Estação Meteorológica anexa o que foi decidido pelo Comitê de Atividades Agrícolas de Berlim em suas reuniões no dia 30 de outubro do ano 1901. Os meios necessários para esta finalidade estão assegurados. Para esta finalidade foi posto a disposição gratuitamente na Colônia Neu-Württemberg 100 ha de terras na melhor localização (hoje Colônia Modelo, sede do Instituto Federal Farroupilha) inclusive, as necessárias edificações administrativas e de moradia. As vantagens desta estação experimental serão os benefícios, principalmente para os colonos de Neu-Württemberg que poderão receber sementes, árvores frutíferas, etc. diretamente da estação e também receberão orientações técnicas sobre todos os problemas relacionados à agricultura... .”
Foi sem dúvida, um plano ousado e moderno para a época, certamente único no Brasil, planejado por uma pessoa com um altíssimo conhecimento científico e um idealismo impressionante. No final do ano de 1903, com a vinda do novo diretor da Colônia Sr. Alfred Bornmüller que era primo de Meyer e um dos coproprietários do Instituto Bibliográfico, Faulhaber e Bornmüller organizaram e consolidaram o Bauerverein Neu-Württemberg, ou seja, a Associação dos Agricultores de Neu-Württemberg, a qual fora idealizada na gestão anterior do Eng. Horst Hoffmann. O lema desta associação de colonos era: ”Gemeinnutz geht vor Eigennutz – O benefício coletivo ou comunitário deve anteceder-se ao benefício individual ou pessoal,” conforme Meyer e Faulhaber combinaram na Alemanha, quando planejaram as linhas mestras do plano de desenvolvimento desta nova colonização. No ano seguinte, em 1904, Faulhaber e Bornmüller transformaram a associação de agricultores em cooperativa que recebeu o nome de Genossenschaft (cooperativa) Neu– Württemberg.
Esta cooperativa funcionou até a década de 1920, quando o nome foi mudado para União Colonial que funcionou conforme outras cooperativas similares que estavam associadas a Liga das Uniões Coloniais Riograndense. Eram cooperativas que atendiam as mais diferentes localidades da região colonial do Rio Grande do Sul. Foi através das lideranças da União Colonial e da Fundação Faulhaber que no ano de 1931 fundou-se uma cooperativa de crédito, organizada segundo o Sistema Reiffeisen da Alemanha que foi introduzido em nosso país pelo padre jesuíta, natural da Suiça, Theodor Amstad que trabalhou na Colônia Provincial de Nova Petrópolis. A instituição creditícia cooperativada aqui no então chamado Distrito de Neu-Württemberg recebeu o nome de Caixa Rural, que décadas depois evoluiu para a atual Sicredi.
Durante a campanha de nacionalização da triste ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) houve uma lamentável intervenção e repressão no oitavo distrito de Cruz Alta, na ocasião, denominado de distrito de Pindorama o que inviabilizou as atividades cooperativadas da União Colonial. Então o seu quadro associativo foi dissolvido e o patrimônio vendido a firmas particulares para saldar dividas. Entretanto, a cooperativa de crédito Caixa Rural sobreviveu a este infeliz acontecimento.
Conforme um acordo de cavalheiros feito em 1899, pelo então pesquisador do Rio Xingu na Amazônia Brasileira e depois colonizador no sul do Brasil, Dr. Herrmann Meyer, com seu grande amigo e vizinho de fazenda no atual município de São Martinho da Serra, Dr. Júlio de Castilhos, o padrinho político do então presidente ( governador) do Rio Grande do Sul, Sr. Borges de Medeiros, o projeto privado de colonização Neu-Württemberg devia servir de modelo para outras colonizações que estavam surgindo na nova e promissora zona colonial, localizada no noroeste e norte do nosso Estado.
Assim o modelo da Genossenschaft (cooperativa) Neu-Württemberg, fundada em 1904, também foi adotado pela Cooperativa General Osório, constituída em 1911, conforme consta na sua ata de fundação. Esta cooperativa, hoje se chama Cooperativa Tritícola Ibirubá – Cotribá, a mesma não teve interrupção em seu funcionamento durante mais de um século.
Após a ditadura do Estado Novo de Vargas e a Segunda Guerra Mundial, os colonos dos distritos cruz-altenses com atividade agrícola uniram-se e fundaram uma cooperativa para o abate de suínos que recebeu o nome de Cooperativa de Banha. O frigorífico estava localizado na cidade de Cruz Alta, onde funcionou até a metade da década de 1960. Neste empreendimento cooperativista também participaram muitos agricultores radicados no Distrito de Panambi, retroativamente também chamado de Tabapirã, Pindorama e Neu-Württemberg.
No livro Minha Viagem para as Colônias Alemãs no Rio Grande do Sul, 1898-1899 ( Meine Reise nach den Deutschen Kolonien in Rio Grande do Sul,1898-1899), o autor Dr. Herrmann Meyer, relata uma cavalgada de estudos de mais de 800Km pela região colonial do nosso Estado, onde descreve observações impressionantes Neste livro consta que durante o deslocamento com mulas através dos campos pouco aproveitados, localizados entre a cidade de Cruz Alta e a gleba recentemente adquirida, chamada de Boi Preto, hoje pertencente ao município de Chapada, Meyer previu e disse aos companheiros de viagem que estas terras campestres com técnica poderiam ser aproveitadas para a cultura do trigo como já estava acontecendo na Argentina e nos Estados Unidos da América. Quinze anos depois, esta visão futuróloga do pesquisador Meyer começou a se materializar, quando em 1914 o imigrante Cezar Fripp, de descendência suíça e procedente do Departamento de Colônia-Uruguai transferiu a sua atividade e experiência tritícola do vizinho país para os campos localizados ao norte da pequena povoação Sete de Setembro, hoje Condor. Até hoje é um mistério o por que a família Fripp resolveu migrar para cá com o objetivo de plantar trigo. Porém, Meyer após a sua cavalgada de estudos pela velha zona colonial e depois pela nova zona colonial que estava se formando no norte e noroeste do Rio Grande do Sul, também visitou a metade sul do nosso Estado. De lá, a partir da cidade de Bagé dirigiu-se a Montevidéu, onde estavam a sua espera os botânicos Pilger e Maxfeld e mais os antropólogos Ranke e Koch-Grünberg para logo seguir viagem até as nascentes do Rio Xingu no Mato Grosso. É possível que Fripp e Meyer encontraram-se na capital uruguaia, onde falaram sobre a cultura do trigo nas terras campestres que estavam adjacentes a colonização que depois recebeu o nome de Neu-Württemberg. Porém, a baixa fertilidade das nossas terras campestres e mais a falta de sementes adequadas, de fertilizantes, de assistência técnica e de amparo creditício levaram esta iniciativa pioneira ao fracasso. O mau resultado obrigou Cezar Fripp a abandonar a triticultura e retornar com sua família para o Uruguai, menos o filho Guilherme Maurício que permaneceu aqui se dedicando à pecuária e a uma agricultura de subsistência.
Com a emancipação e a instalação do município de Panambi em 1955, o primeiro prefeito Eng. Walter Faulhaber, filho de um dos fundadores da Genossenschaft Neu-Württemberg, em 1904, fundou uma associação de agricultores. Assim como aconteceu cinquenta anos antes, na gestão do diretor da Colônia Eng. Horst Hoffmann, quando foi fundado o Bauernverein (associação de colonos) Neu-Württemberg, se repete um fato da nossa história. A nova entidade associativa recebeu o nome de Associação Rural, que no início teve o senhor Abilio Hartemink na presidência. O objetivo da instituição era fornecer assistência técnica, assim como também insumos e equipamentos para a atividade agrícola dos seus associados com preços mais acessíveis.
Na mesma época, o governo estadual começou a incentivar a cultura do trigo em grande escala nas terras de campo. Diante de nova perspectiva econômica, agricultores radicados aqui, entre eles Guilherme Maurício Fripp, se integraram na nova política agrícola. Com colheitas relativamente bem sucedidas, um grupo de triticultores formou uma sociedade para construir dois barracões de madeira na estação ferroviária de Belizário. De lá eles poderiam transportar com o trem as suas safras de trigo para os centros compradores e consumidores. No início do ano de 1957, a associação de Triticultores adquiriu do governo do Estado os silos da CESA – Companhia Estadual de Silos e Armazéns, localizados no bairro Arco Iris. Esta compra levou a associação a reformular os seus objetivos e fundaram uma cooperativa que recebeu o nome de Cooperativa Tritícola Panambi Limitada, hoje conhecida pelo nome de COTRIPAL. Assim, no dia 21 de setembro de 1957, em assembleia redigiu-se a ata de fundação que foi assinada pelos 29 presentes que eram os senhores: João Marimon Junior, Otto Weiblen, Jopar Farias, Hermann Strobel, Antenor Pires do Rosário, Guilherme Maurício Fripp, Alfredo Keller, José Luiz Weschenfelder, Romualdo José Weschenfelder, Tarcisio Aluisio Weschenfelder, Ernesto Reusch, Emil Weiblen, Segefredo Teixeira de Almeida, Arnoldo Rudolfo Sander, Eugen Strobel, Albino Prante, Evaristo da Luz Pires, Serafim Pereira Rocha, Ernest Strobel, Helmuth Waldow,Rudolfo Wenz, Hary Lautert, Pedro Pereira da Rocha, albino Loose, Fridolino Otto Waldow, Felipe L. Schnee, Júlio Barcelos, José Zanuzo e Ernesto Becker.
No período de 1957 a 1959 o sócio fundador Otto Weiblen esteve na presidência, enquanto no período seguinte, de 1959 a 1963, o sócio Ervino H. Dallmeier exerceu o cargo da presidência. Dallmeier foi substituído pelo sócio fundador Hermann Strobel que permaneceu na presidência por 18 anos. Em 1981, Hermann Strobel é substituído pelo sócio, natural da Holanda Jacobus Rietjens. Este permaneceu no cargo até o ano 1986, quando foi substituído pelo irmão de seu antecessor, Gerhard Strobel que por sua vez exerceu a presidência desde 1986 até o ano de 2009. Após 28 anos no cargo foi substituído por Germano Döwich que permanece na presidência até hoje.
Em assembleia realizada no dia 24 de abril de 1967 foi aprovada pela Cotripal a incorporação da Associação Rural, que segundo o vice-presidente da época Sr. Roberto Dietz, uma nova lei proibia a entidade ter patrimônio, pois era uma instituição que representava apenas uma classe o que contribuiu para a fusão. A partir desta união, a Cooperativa Tritícola Panambi Limitada trilhou um caminho de sucessos. Com a sua expansão para municípios vizinhos, ela hoje esta presente nos municípios de Condor, Ajuricaba, Nova Ramada, Santa Bárbara do Sul, Pejuçara e Bozano. Ela hoje com 3496 associados enquadra-se entre as cooperativas mais destacadas e sólidas do Rio Grande do Sul. Isto certamente se deve ao espírito cooperativista que foi plantado nos primórdios da fundação de Panambi, município que hoje pode ser considerado sem dúvida o berço do cooperativismo de toda região norte, nordeste e noroeste do Rio Grande do Sul.
No ano de 2012, realizou-se a Cavalgada do Cooperativismo pelos Caminhos do Padre Amstad. Foi um evento cultural para lembrar a história do cooperativismo no nosso Estado. Os protagonistas da cavalgada percorreram inúmeros municípios, localizados ao longo do percurso que se estendia entre o município coirmão de Panambi, chamado de Cerro Largo e o município de Nova Petrópolis, considerado o berço do cooperativismo de crédito no Brasil. Porém, Panambi estava excluído desta fantástica demonstração cultural. O piquete de cavalarianos chegou a contornar o nosso município, passando por Ijuí, Cruz Alta e Ibirubá. Esta lamentável exclusão certamente se deve ao total desconhecimento do nosso verdadeiro passado.
A data de 25 de julho, considerada o dia do imigrante e o dia do colono ou agricultor que transformou o Brasil em um celeiro do mundo, serve para uma reflexão sobre a história centenária do cooperativismo nos municípios de Panambi e Condor que formaram a antiga Musterkolonie (colônia modelar) Neu-Württemberg.
Fotografia de Hermann Faulhaber e Alfred Bornmüller, os fundadores em 1904 da primeira cooperativa da região norte, nordeste e noroeste do Rio grande do Sul.
Fotografia do barracão, provavelmente doado pelo colonizador Herrmann Meyer em 1904 que pertenceu a Genossenschaft (cooperativa) Neu-Württemberg.
Fotografia do prédio em alvenaria feita no ano de 1910, que pertenceu a Genossenschaft (cooperativa) Neu-Württemberg e depois abrigou também a Cooperativa União Colonial.
Ata de fundação da Cooperativa General Osório, hoje Cotribá, constituída no ano de 1911, a qual deveria funcionar nos moldes da Cooperativa Neu-Württemberg.
Prédio da Cooperativa de Crédito Caixa Rural que foi construído na segunda metade da década de 1930. O projeto estrutural e arquitetônico foi do professor e maestro Eng. Erich Schild.
*Ivo Beuter – autor do livro De Elsenau a Panambi