Cultivar tesouros – por Lissi Bender*

Outro dia, meu amigo Ruy Gessinger refletia em seu blog sobre o estado de indigência intelectual presente em certas emissoras de rádio e de televisão que propagam “a boçalidade, a ignorância”, em que “um locutor semianalfabeto é mais ouvido do que mil professores” e que “um apresentador  de TV dita regras de duvidosa ética”.

Lá se foi o sossego de  minha mente. Vezes sem conta tenho tentado me ocupar  com outros afazeres em fila de espera.  Vergeblich, em vão. As colocações de Herr Gessinger me reportam para uma conversa sobre educação na Alemanha, que tive certa vez com meu professor de Landeskunde na Universidade de Freiburg.  Falava-me dos consideráveis investimentos públicos em pesquisa no ensino superior para a geração de novos conhecimentos e na formação humana no ensino  fundamental e médio. Comentava ele que a escola pública  prioriza o desempenho e é a escola forte. De modo que, inversamente à nossa realidade, lá  o aluno fraco procura a escola particular. Mais tarde pude vivenciar isso, em visita a escolas públicas.

Conversa vai, conversa vem, entre um e outro aromático café, falávamos sobre diferenças  no tratamento dado à educação entre os dois países.  A essa altura me passava  em filme a situação precária em que se encontra a maioria de nossas escolas. Por que não priorizamos a educação de nossas crianças, embora sabendo que  o amanhã estará em suas mãos?

O nosso é um país imensamente rico em diversidade cultural, linguística e natural, no entanto dá pouca atenção  a estas riquezas. “ Mas possui imensas riquezas  minerais em seu subsolo”, ponderou meu professor.  “Não residiria nisso um pouco da explicação?” perguntou-me, e completou: “ O nosso país  é pobre em tesouros minerais e precisa, por isso, desenvolver tesouros nas mentes de seus cidadãos para promover riquezas”.

Seja como for, o resultado da falta de prioridade na educação brasileira parece contribuir para a proliferação da “boçalidade”,  da “ignorância”. Creio que  boa parte da explicação reside na nossa deficiente valorização da educação. Quando a educação formal geral é fraca e desconexa da realidade do aluno, quando a educação para certos valores e a boa educação linguística são desconsideradas por uma grande parte do povo, quando ler fábulas, poesias, obras literárias de qualidade, para aprender a pensar melhor e poder, sobre uma base sólida,  construir conhecimentos novos, passam longe da escola, o que esperar dos meios de comunicação inseridos nessa realidade? O rádio e a TV (bem como certos cantores) por um lado se adequam à pobreza espiritual do seu público e, por outro, a exploram, e desse modo reforçam e perpetuam o estado das coisas.

Para  muitos brasileiros, ampliar seu repertório linguístico – e com ele praticar reflexão, ampliar seus conhecimentos, cultivar tesouros interiores – parece não estar  entre as cem coisas mais importantes em que se deva  investir na vida. E, para muitos gerenciadores de nosso país, proporcionar à plebe o cultivo de tesouros na mente passa longe de seus interesses. Assim como o radio e a televisão sabem que é muito mais fácil e lucrativo explorar a miséria intelectual do que  lidar com um povo que cultiva tesouros intelectuais.

*Lissi Bender é docente, pesquisadora da UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul, RS; comentarista do programa radiofônico AHAI e colaboradora/colunista do portal www.brasilalemanha.com.br .

Contato: lissi@unisc.br