Certo dia, passeando pelo centro de Hagelloch, vila que há 900 anos pertence a Tübingen (Alemanha), vi que estavam derrubando um prédio antigo. Falei com meus botões: Aha! Eles também estão destruindo o que foi construído ontem. Um ano mais tarde, passeando pela mesma vila, qual não foi minha surpresa! O prédio estava lá novamente, novinho em folha, e pasmem! Igualzinho ao anterior. Enquanto eu o admirava, questionei um senhor que aguardava um coletivo na parada. Explicou-me ele que a reforma do antigo prédio teria ficado muito cara e por isso a comunidade optou por sua derrubada e pela construção de um novo. Mas por que igualzinho ao anterior? Ora, ora, a vila não pode ficar descaracterizada, precisa manter sua identidade, dizia-me o senhor num tom de quem está falando o óbvio.
Em outra oportunidade, vivi, durante um semestre, num bairro de Freiburg, capital da Floresta Negra, onde todas as casas seguem um mesmo estilo. Enquanto por lá vivia e estudava na Albert Ludwig, acompanhei a construção de mais duas casas novas. Iguaizinhas às demais. Em conversa com a dona da casa que me hospedava, na companhia de um Spätburgunder, perguntei-lhe intrigada por que todas as casas ostentavam as mesmas características. Tratava-se de uma decisão dos moradores do bairro. A comunidade havia decidido o perfil de seu lugar de viver, e quem vinha morar lá comungava da ideia, integrando-se assim ao ambiente.
Assim, também a maioria das cidades alemãs tem seu centro histórico e suas particularidades, ou seja, algum aspecto cultural que as distingue das demais. Passear por esses centros é um verdadeiro mergulho em seu passado, em sua história. Outro dia estava eu sentada entre mesas bem postas ao ar livre em pleno centro de Tübingen, na companhia de amigos e de um Holundersaft. Conversávamos sobre a história dos prédios medievais que nos circundavam. A curiosa aqui foi indagar por que a preocupação com a manutenção do passado é tão fortemente presente? Meu amigo mirou-me como se não tivesse compreendido e respondeu-me com mais perguntas: “E a nossa identidade? Como as futuras gerações entenderão e aprenderão a valorizar o que foi produzido e construído por aqueles que viveram antes neste lugar?” Aha, somente o que conhecemos, e cujo valor reconhecemos, temos condições de valorizar e preservar.
Tübingen, por exemplo, do tamanho de Santa Cruz do Sul, RS, preserva em seu centro inúmeros prédios medievais e mesmo o calçamento continua original. Sua universidade tem mais de 500 anos. Seu centro histórico abriga durante o ano todo eventos ao ar livre. Um centro para o lazer, a cultura, os negócios, um espaço para a vida acontecer, livre da poluição dos carros, mas cheia de passado refletindo no presente. Os prédios novos, o crescimento da cidade, este se dá horizontalmente para além do centro histórico.
Volvo meu olhar para o centro histórico de minha amada Santa Cruz e constato que dificilmente passa uma semana sem que mais um prédio antigo seja derrubado. Apreensiva observo como aos poucos nossa catedral está sendo emparedada por altos prédios. Nossa cidade merece um centro histórico em que a identidade e as particularidades que a distinguem de outras sejam preservadas, colocadas na vitrine. Para isso precisamos aprender a reconhecer o valor de nosso patrimônio coletivo, material e imaterial.
*Lissi Bender é professora de Leitura e Produção de Textos, Língua, Literatura e Cultura Alemã, Subchefe do Dep. de Letras da UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, doutoranda na Universidade de Tübingen, Alemanha, comentaista do programa radiofônico AHAI – A Hora Alemã Intercomunitária/Die Deutsche Stunde der Gemeinden e colunista de www.brasilalemanha.com.br.
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