Mathias Mombach, o general caçador de Farrapos – por Felipe Kuhn Braun*

 

Felipe Kuhn Braun

A história de Mathias Mombach, soldado, imigrante e pioneiro, conhecido por seus conterrâneos como general e caçador de farrapos e descrito pelo padre Theodor Amstad como eremita entre os índios, uma figura lendária dos idos da imigração alemã no sul do Brasil

 

Um dos principais motivos para a vinda de alemães ao sul do Brasil foi a necessidade do Império de proteger suas fronteiras das invasões dos castelhanos. Para isso, o major Schaefer, a pedido do Imperador D. Pedro I, percorreu diversas regiões européias, todas falantes de língua alemã, para trazer, entre agricultores e artesões, soldados com experiência suficiente para proteger a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Não era difícil encontrar militares na Europa pós-guerras napoleônicas.

Entre centenas que vieram ao sul do Brasil nas primeiras levas, talvez nenhum teve tanta fama e despertou tanto interesse de escritores e historiadores quando Mathias Mombach. Não são poucos os historiadores que escreveram sobre Mombach, entre eles: Theodor Amstad, Leopoldo Petry, Carlos de Souza Moraes, Germano Oscar Moehlecke, Hilda Agnes Hübner Flores, Justino Antônio Vier, Juan María Gutierrez, Carlos Urbim e Klaus Becker. Também não poderia deixar de citar sua bisneta Maria Teresa Henrich, que fez, sem dúvida, um dos mais fiéis relatos sobre seu ancestral, pois, viveu com sua mãe que, por sua vez, conheceu e conviveu com Mathias Mombach.

Nascido no Grão Ducado de Luxemburgo, Mathias foi alferes e guarda pessoal do imperador Napoleão Bonaparte. Isso já era motivo para fazer de Mathias alguém conhecido em sua terra natal, o vilarejo de Echternach. Mombach lutou em todas as batalhas napoleônicas e foi um dos poucos soldados sobreviventes à campanha da Rússia em 1812, quando Napoleão foi para o país eslavo com uma tropa de 678 mil homens e voltou para a França derrotado e humilhado com apenas dez mil sobreviventes. Mesmo assim, Mombach serviu fielmente à Napoleão até a derrota do imperador em Waterloo.

Quem nos traz mais detalhes de sua história como oficial de Bonaparte é sua bisneta, Teresa Henrich:

 

“Mathias Mombach foi oficial imperial francês e súdito de Napoleão I. Por sua valentia mereceu a cruz de ferro. Participou também da guerra contra a Rússia. Na batalha de Waterloo, foi ferido na perna por um estilhaço de granada, o que lhe causou mais tarde ainda muitas dores. Isso foi no ano de 1815, 18 de julho. Napoleão fugiu em seu carro, mas foi alcançado à noite em Genappe por cavaleiros prussianos, mas teve tempo apenas para saltar do carro e apanhar seu chapéu e sua espada e saltar num cavalo e continuar a fuga. Morreu como prisioneiro nos rochedos da Ilha de Santa Helena, em 1821”.


            Alguns meses após esse acontecimento que colocou um ponto final sob a hegemonia francesa na Europa, a Prússia começou a perseguir todos aqueles que “inimigos da pátria” lutaram a favor de Bonaparte. Mombach não teve opção: para não ser preso, abandonou sua terra natal e emigrou com sua esposa e cinco filhos para o sul do Brasil. Pois, foi no sul do Brasil que sua fama aumentou ainda mais, devido à sua coragem e sua experiência militar. Ao chegar, foi o único que ousou transpor o morro de Dois Irmãos, atrás do qual se ofereciam lotes maiores, apesar de quase inacessíveis.

Henrich nos apresenta mais uma vez em seu relato, as dificuldades das inóspitas terras de Walachei na época de Mombach:

 

“Mathias Mombach veio a chamado de Dom Pedro I para o Brasil. Construiu-se uma casa de madeira sólida – já que não faltava madeira, e cercou-a com estacada para protegê-la dos bugres e outros ataques. Depois dele vieram outros imigrantes: Dessane, Bökel, Morgenstern, Schmitz e outros mais. É possível imaginar como foi difícil o começo para os primeiros moradores. Ao redor, mata virgem, animais selvagens, cobras venenosas, bugres, etc. De todos os lados havia perigos e ameaças de morte”.

 

O relato de Heinrich prossegue:

 

“Fiquei sabendo que os selvagens só ousaram atacar a casa de meu bisavô. Com valentia se defendia o herói com seus filhos e dava tiros através dos buracos preparados para isso nos cantos da casa. Nove mortos cobriam o chão, os demais selvagens fugiram apavorados, novamente para o mato. É que temiam tanto o grande homem com a barba comprida e os olhos azuis, que transferiram seu acampamento para outro lugar. Quando Mathias Mombach farejava os bugres próximos, soprava na sua guampa e uns 20 cachorros que ele possuía começavam a uivar ao mesmo tempo e os bugres deitavam a fugir”.

 

Enquanto Teresa Henrich destaca o começo e as dificuldades com os índios, a historiadora Hilda Hübner escreve sobre o envolvimento de Mombach com a Revolução Farroupilha:

 

“…(Mombach) Contava estórias peculiares sobre as guerras de Frederico o Grande e Maria Teresa. Imigrou em 1829 aos 49 anos de idade. Radicou-se em Dois Irmãos, onde teria construído uma pequena fortaleza contra os índios. …Astuto e valente, Foi eficiente auxiliar de Hillebrand na retomada de São Leopoldo, agenciando colonos e comandando a ação contra os farrapos. Serviu no corpo do Major Bento Manoel, que guarnecia a extensa Picada de Dois Irmãos, também conhecida de Picada do Mombach. Dois de seus filhos lutaram na revolução, integrando o Corpo da Cavalaria da Guarda”

 

Outro acontecimento importante, que fez a fama de Mombach ultrapassar os limites de Walachei e chegar a capital da província, foi quando Mombach capturou o “menino diabo”, homem que espalhou o terror nas colônias alemãs durante os primeiros anos da Revolução Farroupilha. Segundo Urbim, autor de Morro Reuter de A a Z, esse foi o fato crucial para Mathias ser imortalizado na história de Morro Reuter. Essa atitude de Mombach também lhe tornou conhecido em todo o interior de origem alemã da época. Menino diabo era o apelido de um português, Antônio Joaquim da Silva, menino por ser de estatura baixa e diabo, pois, percorria o interior roubando famílias de origens alemãs. Além disso, ao chegar às residências do interior, costumava matar, em cada família, um de seus familiares, usando um dos métodos mais cruéis para a época: degolava suas vítimas.

Theodor Amstad e Leopoldo Petry nos dão detalhes sobre a captura: o veterano Mathias Mombach, do Corpo de Bento Manoel, foi o responsável direto pela morte do malfeitor (menino diabo). Em uma de suas andanças pelas picadas interioranas por Ivoti, Estância Velha, Picada 48 e Dois Irmãos, Mombach, à testa de um piquete legalista, aguardou menino Diabo de tocaia em Ivoti e o alvejou numa perna. Levado a Dois Irmãos, foi guarnecido para, posteriormente, ser escoltado a São Leopoldo, para julgamento. No decorrer da noite, porém, um grupo de inimigos exigiu sua entrega e o matou com a mesma barbárie com que costumava tratar suas vítimas. O episódio teria trazido renome ao já septuagenário combatente, cognominado pela façanha de Gen. Mombach, tendo sua fama alcançado a capital da Província.

Teresa Henrich nos traz detalhes contados por sua mãe no começo do século passado: o que a pobre gente sofreu (os descendentes de alemães) e como se zombou deles. E novamente foi Mathias Mombach que comandou o povo e trouxe o Menino Diabo preso, ferido numa perna, colocado no seu cavalo branco, para Baumschneiss (Dois Irmãos) onde ele teve um fim miserável.

Diversos autores publicaram histórias sobre Mombach, algumas divergem em pequenos detalhes, Teresa Henrich, a bisneta, relata que Mathias faleceu com 93 anos enquanto Hilda Hübner escreve que ele morreu com 98. Theodor Amstad, com tantas histórias escritas, erra em um momento quando confunde o nome de Mathias com o de um de seus filhos, Johann. Alguns escreveram que ele viveu como eremita, solitário entre os índios, Em um dos capítulos, Amstad diz que os bugres consideravam Mombach alguém expulso de uma tribo, tinham pena dele e por isso não o molestavam. A história oficial conta o contrário, Mombach fundou Walachei, porém, morou lá com sua esposa e seus cinco filhos, que o ajudavam a se defender dos bugres.       

Um breve relato sobre Mombach foi escrito pelo político argentino Juan María Gutierrez, que o visitou em sua residência no ano de 1844, na mata virgem de Walachei. Essa preciosa história foi descoberta e publicada por Carlos de Souza Moraes em 1981:

 

“As peças principais são de madeira de cedro, dispostas para se defender dos índios selvagens. Ao entrar naquelas peças senti uma fragrância que logo soube a que atribuir: vinha da madeira de cedro, único material empregado na construção daquela espécie de arca consagrada ao abrigo de um ancião (Mombach), que foi soldado do imperador Napoleão e hoje é alferes do imperador Dom Pedro II. Um arroio claríssimo corre sobre o chão pedregoso a meia quadra do prédio. Quem é íntimo da casa pode encontrar todo o necessário nos domínios do alferes Mombach: espingardas, cachorros, a companhia de um dos seus filhos. E, a poucos passos, um tigre negro, um javali, um veado, a escolher”.

 

Mathias, o patriarca dos Mombach no Brasil, sem dúvida teve uma história fantástica. Sua coragem, valentia e determinação fizeram dele um dos personagens mais conhecidos dos idos da imigração alemã no sul do Brasil. Conhecido como general pelos seus conterrâneos, como o eremita entre os índios. segundo o padre Amstad, foi soldado, alferes, imigrante, pioneiro e defensor dos alemães, contrário aos ideais farroupilhas e imperialista, enfim, uma figura lendária na sua época, com uma trajetória bem documentada. Faleceu bem velho na pequena Walachei, já viúvo, sob os cuidados de seu filho Schang (João). Termino esse texto com palavras carinhosas de sua bisneta Teresa Henrich: “Lá no cemitério repousa ele, o herói, no seu uniforme e sua Cruz de Ferro”.

 

Nas páginas seguintes fotografias dos Mombach e famílias ligadas a eles:

 

Famílias Mombach, Dapper, Büttenbender, Grings e Wendling, descendentes de Mathias reunidos no ano de 1923, filhos e netos dos pioneiros de Walachei

Famílias Lenz, Kuhn e Mumbach em Cerro Largo no ano de 1929. Descendentes dos Mombach de Walachei, que emigraram para as novas colônias no começo do século XX. Estão na frente da casa do patriarca dos Mombach de Cerro Largo, Georg, na Linha Caçador. Nota-se que a grafia do sobrenome mudou para Mumbach, após erro de registro em cartório.

 

*Felipe Kuhn Braun é natural de Novo Hamburgo (RS). Jornalista e escritor, é autor de sete livros sobre imigração alemã no sul do Brasil. É Diretor de Genealogia do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo e colaborador do Instituto de Estudos Históricos da Universidade de Mainz, na Alemanha. Atua como representante do Rio Grande do Sul na diretoria da Badisch-Südbrasilianische Gesellschaft e. V. entidade com sede em Karlsdorf-Neuthard (na Província de Baden-Württemberg), com o objetivo de encontros culturais, programas de intercâmbio, cursos de línguas e a pesquisa genealógica, em especial do século XIX, entre a região de Baden e o sul do Brasil.


 

Comentários

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Gerhard Erich Boehme 15/11/2013, às 09:37

Os alemães e a criação do Exército Brasileiro Hoje praticamente nenhum brasileiro saberia responder a pergunta, até mesmo a nossa presidente, sucessora e herdeira do peta¹, a quem muitos entendem que ela não tenha razões para nutrir simpatias aos militares, nem mesmo para a nossa história, tanto que está mais empenhada em “reescrevê-la” no melhor estilo peta, o faz com a ajuda de uma pretensa “Comissão Nacional da (in)Verdade”, uma comissão peta¹, sem historiadores, salvo a Sr.ª Marcilândia de Fátima Araújo que de longe os assessora e a “republicana” Professora Heloísa Maria Murgel Starling, ou peritos criminais, sem profissionais com competência² ou provas materiais válidas, tal qual o chimango e peta¹ Getúlio Dorneles Vargas o fez, como explico: Quem foi o responsável pela criação do Exército Brasileiro?

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