A vida agradece – Lissi Bender – lissi@unisc.br
“Das muss nicht sein” – isto não é necessário. Quantas vezes eu ouvi esta frase em minha infância. Como, por exemplo,daquela vez em que eu sonhava com uma sombrinha colorida vista na venda dos Frantz. Economizar, ser parcimonioso com os recursos disponíveis, eu aprendi em família, fazia parte das metas educativas na minha e em muitas outras famílias.
Outro dia li o resultado de uma pesquisa sobre valores educacionais entre as famílias alemãs contemporâneas. Nelas reencontrei valores que permearam a minha própria educação: parcimônia, independência, persistência.
“Das muss nicht sein”, quantas vezes eu ouvi esta frase na Alemanha sendo dita pela boca de uma mãe, de um pai a um filho(a), tanto na rua quanto em filme de televisão.” Das muss nicht sein” ouvi certa vez da boca de uma criança falando para outra, quando ambas estavam diante de uma vitrine e uma estava empolgada com um brinquedo ali exposto.
Este olhar de discernimento quanto ao que realmente importa, testemunhei também outro dia na fala de um pai alemão que, casado com uma brasileira, vive boa parte do ano no Brasil. Esse pai, um industrial bem sucedido, contou-me de sua dificuldade para educar seu filho para valores e necessidades efetivamente indispensáveis. O garoto havia passado a sonhar com determinado jogo eletrônico que era febre entre os amiguinhos da escola. Depois de muito esforço pedagógico, havia conseguido convencê-lo da dispensabilidade do brinquedo. Mas todo seu empenho ruiu diante de uma tia que, em sabendo do sonho da criança, a presenteou com o objeto de seus desejos. Este mesmo pai também se mostrava preocupado com a dificuldade para encontrar professores de latim e de grego para seu filho em nossa terra, o que, em sua visão, era essencial para a formação do rebento .
“Das muss nicht sein” direciona o olhar para o necessário, auxilia a excluir o excesso, o supérfluo. Hoje vivemos em meio a uma realidade de abundância do desnecessário, estamos desaprendendo a ser comedidos. E isso num tempo em que mais do que nunca precisamos preparar a próxima geração a desenvolver discernimento, a não se deixar impelir pelo consumo de produtos sem atentar para a sua real necessidade. Como fazê-lo, se nós mesmos não formos parcimoniosos?
O mundo de hoje é muito diferente do de minha infância. Naquele tempo as razões para a parcimônia eram outras. Hoje o planeta grita por uma sociedade mais sóbria, mais atenciosa, para evitar o desperdício. O planeta clama por uma vida ecologicamente mais justa, mais econômica e racional para com os seus recursos transitórios, não renováveis.
Urge a intensificação de uma educação para a sobriedade. Fazem-se imprescindíveis medidas sociopolíticas voltadas para a parcimônia. Tenuemente percebe-se em nosso meio o emergir de uma preocupação para com a proteção da vida em nosso planeta, com a proteção ao clima. Esta passa, entre outras medidas, pela economia de energia. Passa pelo uso comedido de produtos e bens de consumo. Mas passa, acima de tudo, por uma educação voltada a um olhar crítico e atencioso para com a vida, passa pelo retorno do cultivo da parcimônia, mesmo que os motivos que a engendrem tenham mudado. Passa pelo discernimento do que é (in)dispensável.
*Lissi Bender é docente da UNISC – Universidde de Santa Cruz do Sul, RS, doutoranda na Universidade de Tübingen , comentaista do programa radiofônico AHAI – A Hora Alemã Intercomunitária/Die Deutsche Stunde deer Gemeinden e colunista de www.brasilalemanha.com.br. Contato: lissi@unisc.br