Atual Cônsul-Geral do Brasil em Munique, a Embaixadora Carmen Lídia Richter Ribeiro Moura é diplomata de carreira. Nascida em São Paulo, em 1954, é Bacharel em Letras Anglo-Germânicas pela USP, formada pelo Instituto Rio-Branco e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Johns Hopkins. Antes de entrar para a carrreira diplomática, em 1979, foi professora de Português, Inglês e Alemão. Serviu como diplomata nos Consulados-Gerais do Brasil em Nova York e Sydney e nas Embaixadas do Brasil no Marrocos, Estados Unidos, Venezuela, Áustria, Nova Zelândia e Portugal.
Nesses países, exerceu funções em diversas áreas de cooperação bilateral, como Ciência, Tecnologia e Inovação; Promoção Comercial; e Promoção Cultural. Tem vasta experiência em assuntos multilaterais, especialmente na área de negociações sobre desarmamento, não-proliferação e controle de exportação de bens sensíveis. Em Viena, entre 1999 e 2007, atuou como Representante Alterna do Brasil junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); como Representante do Brazil no Grupo de Supridores Nucleares (NSG); junto ao Comitê Preparatório à Organização para o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (Prepcom/CTBTO); junto ao Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime (UNODC); junto ao Comitê sobre os Usos Pacíficos do Espaço Exterior (COPUOS); e junto à Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO).
Em Brasília, exerceu funções nas áreas de Cerimonial, Administração, Promoção Comercial, Cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação e Desarmamento/Não-Proliferação de Armas de Destruição em Massa. Foi Chefe da Divisão de Desarmamento e Tecnologias Sensíveis (1998-99). Em 2010, foi Chefe de Gabinete da Subsecretária-Geral de Assuntos Políticos I (Europa, Nações Unidas, OEA, Direitos Humanos, Prevenção do Crime Transnacional e Controle de Drogas, Meio Ambiente e Espaço). De 2011 a 2013 foi Chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), responsável pela agenda internacional do MCTI e pelo setor de controle de exportação de bens sensíveis. De 2013 a 2015 foi Representante Especial do Ministério das Relações Exteriores em Santa Catarina, com vistas a apoiar a agenda internacional daquele estado brasileiro.
Conselheira Moira Pinto Coelho, Alexandra Magalhães Zeiner, Embaixadora Carmen Lídia Richter Ribeiro Moura e Fatima Nascimento
Alexandra Magalhães Zeiner (AMZ) – Embaixadora Carmen Lídia, sua chegada na Alemanha aconteceu em um momento crítico, durante a abertura das fronteiras para os refugiados da Síria, onde o sul da Alemanha foi/é a região mais atingida pela onda de fugitivos das regiões em conflito. Como a senhora analisaria seu primeiro ano na capital da Baviera, Munique?
CLRRM De fato, desde que cheguei a Munique, em março de 2015, muitos acontecimentos importantes foram registrados na região de jurisdição do Consulado, que engloba os Estados alemães da Baviera e de Baden-Württemberg. A questão dos refugiados oriundos da Síria e de outras regiões em conflito é realmente muito seria. No verão de 2015, cerca de sete a oito mil pessoas por dia cruzavam a fronteira com a Áustria em busca de asilo politico na Alemanha. Atualmente, esse número é estimado em apenas cem migrantes por dia. Isso não significa que a crise tenha sido resolvida, porque ainda não há solução para o principal conflito, na Síria, e porque a situação em determinadas regiões do Oriente Médio, Ásia e África tampouco oferece condições para reter em seus respectivos países pessoas que fogem de guerras ou da penúria econômica. A questão dos refugiados é extremamente complexa e delicada, e, por essa razão, exige resposta conjunta por parte da União Europeia. Do ponto de vista do Brasil, além de termos recebido cerca de dois mil refugiados sírios, acolhemos significativo contingente de cidadãos haitianos com visto humanitário (cerca de oitenta mil), no contexto do auxílio prestado àquele país desde 2004, quando assumimos a liderança da Força de Paz da ONU no Haiti e também após do terremoto de 2010, que causou enormes danos naquele país.
Ao assumir a Chefia do Consulado aqui em Munique, pude constatar que temos uma expressiva comunidade de brasileiros na nossa jurisdição. Embora não haja dados precisos, estima-se em cerca de 40 mil o número de brasileiros residentes nos Estados da Baviera e Baden-Württemberg. Procuramos atender as demandas dessa comunidade – e também dos estudantes e turistas brasileiros de passage por nossa área de jurisdição – da melhor forma possível. Concedemos, em media, 300 passaportes por mês. Processamos também registros de nascimento e de casamento, procurações e prestamos diversos outros serviços, inclusive a cidadãos em situação de desvalimento e àqueles detidos no sistema prisional da nossa jurisdição.
Por outro lado, em vista do denso relacionamento econômico-comercial entre a Alemanha e o Brasil, concedemos numerosos vistos para executivos e funcionários de empresas alemãs que mantêm filiais ou representações no Brasil. Somente na Baviera e Baden-Württemberg existem mais de 400 empresas com negócios no Brasil. Entre as mais conhecidas estão Mercedes-Benz, Siemens, Bosch, Audi, EADS, Linde, MAN, Puma e ADIDAS. O fluxo comercial Brasil-Alemanha foi de US$ 15,5 bilhões em 2015, tendo chegado a US$ 24,5 bilhões em 2011.
AMZ – A senhora é a Presidente do Conselho de Cidadãos da Baviera e Baden-Württemberg. Para mim, fundadora do Grupo de Trabalho em Augsburg, sua decisão de reconhecer o trabalho de grupos regionais em outras cidades foi inovadora. Na sua opinião, qual a importância desses grupos para a comunidade brasileira?
CLRRM – O Conselho de Cidadãos da Baviera e de Baden-Württemberg – criado em 1996, ainda no Governo do Presidente Fernando Henrique – tem por objetivo principal fortalecer a diáspora brasileira, tanto por meio da aproximação com os respectivos Consulados e Embaixadas do Brasil, como por meio do adensamento das relações entre os membros dessa diáspora. As conferências Brasileiros no Mundo, realizadas desde 2008, visam debater e apoiar os principais temas de interesse da diáspora, tais como: serviços consulares; cultura e educação; questões de gênero; saúde e previdência social; e, mais recentemente, empreendedorismo. Já na primeira reunião do Conselho que presidi, em 2015, observei que a comunidade brasileira está presente em diversas cidades da área de jurisdição, como Augsburg, Freiburg e Stuttgart, entre outras. A criação de Grupos de Trabalho Regionais em Augsburg, Freiburg, Munique e Stuttgart responde, portanto, a essa característica e procura aperfeiçoar a coordenação entre os representantes na nossa jurisdição. Penso que a existência de Grupos de Trabalho Regionais é bastante benéfica para as atividades do Conselho como um todo.
AMZ – A cultura brasileira, apesar de toda crise, é apreciada e admirada na Alemanha. Como a senhora vê o reconhecimento desse intercâmbio positivo no Brasil?
CLRRM As relações de cooperação cultural, educacional e também em Ciência e Tecnologia Brasil-Alemanha são antigas e muito bem sucedidas. No campo educacional, o Serviço de Intercâmbio Alemão (DAAD) colabora com o Brasil há mais de 60 anos. De 2011 a 2016, no âmbito do Programa Ciência sem Fronteiras, a Alemanha acolheu cerca de 6.800 bolsistas, em sua maioria estudantes de graduação das áreas de Engenharia e Ciências Exatas. Na área de Ciência e Tecnologia mantemos inúmeros projetos de cooperação com a Alemanha. São exemplos importantes dessa cooperação o projeto Torre Alta de Observação da Amazônia (ATTA), desenvolvido para coletar dados para estudos referentes à interação entre a vegetação e a atmosfera, com financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) e do Ministério Federal de Educação e Pesquisa (BMBF); e o Programa Brasil-Alemanha para Pesquisa em Tecnologia de Manufatura (BRAGECRIM), financiado pela CAPES, FINEP e CNPq, do lado brasileiro e pela Associação Alemã de Pesquisa (DFG) e DAAD do lado alemão. Na arena cultural, a música, as artes plásticas e a literatura brasileiras têm despertado interesse crescente junto aos alemães. Em 2013 o Brasil foi o país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt, oportunidade preciosa para a divulgação de autores contemporâneos brasileiros junto ao público alemão. Foram convidados para a Feira, entre outros, Ana Miranda, Bernardo Carvalho, Cristóvão Tezza, Daniel Galera, João Almino, João Ubaldo Ribeiro, José Murilo de Carvalho, Lília Moritz Schwarcz, Maria Rita Kehl, Mary del Priore, Mauricio de Sousa, Paulo Coelho, Ruy Castro e Ziraldo.
Ainda em relação à Educação e Cultura, gostaria de mencionar os progressos na área do Ensino de Português como Língua de Herança, tema que interessa à diaspora brasileira como um todo e que tem sido abordado por diversos núcleos, tais como o Elo Europeu de Educadores de Português como Língua de Herança, cuja última reunião realizou-se em Florença (2016). Em outubro de 2015, foi realizado em Munique o II Simpósio Europeu sobre o Ensino do Português como Língua de Herança (II SEPOHL), de cuja abertura participei. O seminário foi organizado por entidades de Munique, tais como a Mala de Leitura e a escola Linguarte. A propósito, cumpre mencionar que o Brasil acaba de assumir a presidência rotativa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que comemora vinte anos de existência em 2016 e que tem como um dos principais objetivos a promoção da língua portuguesa. Agora em outubro, em Brasília, a CPLP aprovou proposta para solicitar que o Português seja incluído como língua oficial da ONU. O Consulado em Munique e o Ministério das Relações Exteriores do Brasil apoiam iniciativas de difusão do Português, conforme o Plano de Ação construído a partir das Conferências Brasileiros no Mundo, com a participação dos diversos Conselhos de Cidadãos da diáspora brasileira. Devo dizer, no entanto, que esse apoio tem sido afetado pelas fortes restrições orçamentárias nos últimos anos. Penso, por isso mesmo, que devemos envidar nossos melhores esforços para maximizar o trabalho das diversas associações envolvidas com o ensino de Português na Europa e nos demais continentes.
AMZ Qual a importancia do Consulado Geral Brasileiro em Munique para as comunidades brasileiras no sul da Alemanha?
CLRRM Na Alemanha, além da Embaixada em Berlim, que conta com uma Seção Consular, há um Consulado-Geral em Frankfurt e o Consulado-Geral em Munique. O Consulado em Munique presta relevantes serviços à comunidade de brasileiros residentes na Baviera e em Baden-Württemberg, tais como: emissão de passaportes; confecção de registros de nascimento e de casamento; interlocução com os Tribunais Regionais Eleitorais; certificados de alistamento militar; emissão de CPF; FGTS; atestados de vida e de residência, entre outros. Além disso, concedemos anualmente cerca de 1500 vistos. O Consulado dispõe ainda de um setor para apoiar os bolsistas brasileiros na área de jurisdição do Posto. Em relação à comunidade brasileira, o Consulado em Munique coordena as reuniões do Conselho de Cidadãos, que conta atualmente com o aporte dos Grupos de Trabalho Regionais. Em Stuttgart temos ainda um Consulado Honorário, Chefiado pelo Sr. Michael Horn, que auxilia nos trabalhos do Consulado em Munique e apoia a realização de Consulados itinerantes, como o recentemente realizado naquela cidade. Em julho de 2016, o Cônsul Honorário organizou exposição em Stuttgart sobre o pintor alemão Fritz Steisslinger, que produziu telas de grande valor artístico durante viagem ao Brasil, em 1934. Deverá ser designado em breve novo Cônsul Honorário do Brasil em Nuremberg.
AMZ A senhora poderia comentar seus planos e projetos para 2017?
CLRRM No próximo ano, pretendo dar continuidade ao aperfeiçoamento dos trabalhos do Consulado em Munique. Este é um processo contínuo, que implica treinamento e atualização permanentes de todos os funcionários do Consulado. Mesmo diante de fortes restrições orçamentárias, que já vigoram há pelo menos três anos, temos conseguido melhorar a qualidade dos serviços prestados pelo Consulado. Em vista do continuado aumento da demanda por serviços consulares em nossa área de jurisdição, tais resultados só foram possíveis graças a um trabalho de equipe. Espero poder continuar contando com a contribuição do Conselho de Cidadãos da Baviera e de Baden-Württemberg para o contínuo aperfeiçoamento dos nossos serviços consulares.
*Alexandra Magalhães Zeiner
Escritora brasileira e Embaixadora da Paz pelo Círculo Universal dos Embaixadores da Paz (França-Suíça), reside em Augsburg desde 2012 com sua família. Alexandra coordena desde 2013 o Grupo de Trabalho de Augsburg, atuando como ativista cultural e curadora de importantes eventos que promovem a arte e cultura brasileira na Cidade da Paz da Baviera.