Imposição tirana – Lissi Bender*

Seja sincero, você ainda consegue frequentar algum espaço público, em nosso meio, em que pessoas se encontram e todas falam em tom normal e respeitoso? Você consegue ainda encontrar um lugar público sem a presença impositiva da TV? Conhece algum evento público, mesmo comunitário, em que o som da música se propague naturalmente, e as pessoas se encontrem para celebrar, confraternizar, sem potentes caixas de som, sem zoada?

Conhece emissoras de radio e TV em que comerciais não pareçam latido de cachorro raivoso? Ainda existe alguma rua livre da imposição de alto-falantes e por onde não transitem carros com som em volume máximo? Um lugar livre de foguetório, nem que seja de madrugada?

Aqui em casa a televisão fica confinada na salinha de fundos. Mesmo assim não estou livre de  ruidosos comerciais. Vou ao consultório, lá está ela. Vou ao laboratório para fazer exames e lá está a TV ligada. (Em seu lugar poderiam oferecer livros de contos, de poesias, jornais atualizados). Por onde circulo encontro TV ou outro som ligado. A tirania do barulho está disseminada.

Na maioria dos eventos públicos então parece que soltaram toda uma matilha de cães. O som que sai das caixas é tão alto que aos convivas só resta gritar. Todo mundo grita na vã tentativa de se fazer ouvir. De modo que, ao fim e ao cabo, tanto na urbe quanto no interior, as festas se resumem a gritar, comer, beber e dançar. Que saudade das quermesses de minha infância que normalmente aconteciam ao ar livre, eram celebradas em meio a um bosque. A orquestra não carecia de amplificadores de som. Aliás, festas comunitárias ao ar livre, em que as pessoas se encontram para prosear, com bandas ao vivo, sem caixas de som, eu vivencio ainda hoje na Alemanha. Por aqui acabaram com elas. Aqui, as pessoas já não se encontram mais para conversar, trocar ideias, impossível! A zoeira é tanta que desisti de participar delas. Schade, pena, mas preciso preservar meu equilíbrio interior, proteger minha alma para não adoecer em meu ruidoso meio social.

Não somente em festas e em comerciais se impõe a tirania do barulho. Por toda parte o homem se impõe pelo grito. Seja em certas igrejas, onde se esbraveja, como se Deus e os fiéis fossem surdos; seja nas ruas pela imposição de alto-falantes a anunciarem a próxima festa da “paçoquinha”, pelos sons automotivos que fazem as latarias tremerem e os tímpanos também; seja pelos foguetórios em qualquer horário. Não estaria o ser humano se esvaziando de conteúdo interior? E nesse esvaziamento não estaria se transformando em “carroça vazia” que em suas andanças por este mundo, somente tem a oferecer o barulho que faz?

De todo modo, certo é, estamos desaprendendo a conviver respeitosamente em sociedade. Em meio à tirânica imposição do barulho, estamos  perdendo um dos mais preciosos valores humanos: a consideração pelo semelhante. Mais, estamos adoecendo enquanto sociedade. O excesso de barulho, assim como um câncer, está a tomar conta de todo o tecido social, corroendo-o sem remissão!

*Lissi Bender é comentarista do programa de Radio AHAI, cronista do www.brasilalemanha.com.br. e professora da Uninversidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.  
Contato: lissi@unisc.br