Livro – estar e ser presente – por Lissi Bender*

Essa crise no mercado editorial e livreiro não é recente, seu aprofundamento é reflexo de outra, mais profunda: a pouca presença do livro no lar, e a carência do hábito da leitura nas famílias. Na maioria dos lares em que entro, encontro na sala, em primeiro plano, uma enorme TV- tela plana, mas dificilmente encontro uma estante de livros ou uma biblioteca.

Volvendo um olhar para o passado me deparo com outra realidade. Com associações culturais de leitura, com o hábito da leitura vivo, presente, numa região que foi desenvolvida, tendo o livro e a escola como preocupação  desde o princípio. Uma tradição que foi interditada, livros queimados ou apreendidos. Na sequência, substituídos por outros interesses. De acervos remanescentes recebo livros antigos em doação e sonho com a recuperação de nossa tradição leitora.

Hermann Hesse, prêmio Nobel de Literatura, dizia há muito tempo: “Ein Haus ohne Bücher ist arm, auch wenn schöne Teppiche seinen Böden und kostbare Tapeten und Bilder die Wände bedecken.“– “uma casa sem livros é pobre,mesmo quando lindos tapetes recobrem seu piso e preciosas tapeçarias e quadros, as suas paredes.”  Diferentes ditos populares alemães sinalizam a importância da presença dos livros, comparando sua ausência com um jardim sem flores ou a uma casa sem janelas. Na terra dos ancestrais que vieram à Kolonie Santa Cruz, o livro continua fortemente presente, tanto que figura no topo das estatísticas como o presente mais ofertado no Natal.

Para ilustrar, cito minhas vivências durante meus muitos períodos de estudo em Tübingen, uma cidade similar a nossa, em número populacional. Lá existem diversas livrarias, entre elas a Osiander, atuante no ramo desde 1596 e mantém três lojas na cidade. Duas delas com três andares repletos de livros. Lá também frequentei a biblioteca pública. Aos sábados a encontrava lotada de pessoas, de pais e filhos escolhendo livros para o final de semana. Conheci muitas famílias em minhas andanças pela Alemanha. Em todas as casas encontrei, em lugar de destaque, estantes repletas de livros.

Não falo dessas vivências, em terra alemã, para tecer comparações. Menciono-as por projetarem em mim o sonho de recuperação de nossa tradição leitora. Este sonho não é utópico. Já existem sinais de que sua a concretização é possível. A nossa biblioteca pública está sendo instalada em espaço privilegiado. Escolas estão intensificando a valorização da leitura. Precisam os pais participar desse processo, frequentar, na companhia de seus filhos, bibliotecas e livrarias, preciosos lugares para entrar em contato com flores para a alma e janelas para o mundo. Assim como a educação para a vida, o hábito da leitura começa em casa. Precisam os pais proporcionar espaço para os livros e tempo para o cultivo diário de leitura junto com os filhos.  Fazer do livro valioso presente a ser ofertado em todos os momentos especiais da criança. Criar círculos virtuosos de contação de histórias e de troca de livros. Assim, quando a criança chegar à idade escolar, já terá o livro incorporado como partícipe da ampliação de horizontes de seu mundo e de seu intelecto.

*Lissi Bender – doutora em Ciências Sociais, vice-presidente da Academia de Letras de Santa Cruz do Sul, tradutora e comentarista AHAI desde 2003.
lissi.bender@gmail.com