Mundos que me habitam – por Lissi Bender*

Mundos que me habitam – Lissi Bender – lissi@unisc.br

Mundos diversos me habitam. Um é o mundo interior onde minha alma e meu harter Kern  – o cerne que  me constitui no ser que sou – tem morada; e o mundo exterior. Fora de mim habitam diferentes dimensões e espaços, dos quais a wilde Heimat e a zweite Heimat são os meus preferidos.

Vivencio intensamente esses mundos, todos eles com mais ou menos assiduidade. Meu universo interior é meu refúgio, minha seara, meu ponto de encontro com minha essência. Nele navego entre céu e  terra, nele cultivo a leveza de meu ser, meu jardim particular. Semeio serenidade,  lavro canteiros de sonho, de poesia e de  amor. Ladeio meu mundo interior com frondosas árvores de cortesia, de gratidão e de consideração para protegê-lo, para mantê-lo livre das pragas  do desamor.

Em meu mundo exterior, a wilde Heimat é um pouco a extensão de mim mesma. Nela me entendi por gente. Ali ficaram impressos meus primeiros passos, meus primeiros sonhos. Nesse ambiente silvestre me reconheço em cada árvore, identifico-me com sua vida que brota copiosa, terra fértil a fomentar a florescência, a  frutificação. Mesa farta posta pelo Criador. Em cada estação do ano, sabores e cores múltiplas a atraírem,  a saciarem a fome de muitas vidas que comigo compartilham vida. Desde a saracura, o jacu, o sabiá que ao alvorecer me tiram dos braços de Morfeu; a jataí, a borboleta diligentes por sobre a florescência exuberante; o ganso, o quero-quero, a tartaruga em meio ao gramado e o pomar,  até a notívaga coruja que anuncia o fim do crepúsculo.  A wilde Heimat é minha fonte de energia, onde minhas forças se renovam para meu fazer profissional, vocacional.

Minha wilde Heimat insere-se no coração da Kolonie Santa Cruz. Terra abençoada, fonte e sumo para as vidas que me antecederam, que nela depositaram seus sonhos, suas esperanças, que nela perseveraram e calejaram suas mãos e com seu suor construíram Santa Cruz em que viceja nossa vida. Os que nos precederam depositaram-na em nossas mãos para que continuássemos sua obra. Sejamos, pois, artífices de nosso espaço coletivo para os que virão depois. De nosso empenho dependerá  legarmos flores ou espinhos.

Para além de minha amada Santa Cruz, existe minha zweite Heimat. Toda vez que para lá ventos benfazejos me conduzem,  levo comigo um pouco da saudade dorida, sentida pelos meus antepassados que de lá saíram e nunca mais puderam em seu solo voltar a pisar. Transponho o Oceano pelos seus filhos e netos que nunca a conheceram, mas que cultivam laços indeléveis com ela através da língua, das tradições e dos hábitos incorporados ao seu harter Kern e ao seu lugar de viver. Toda vez que meus pés tocam o solo alemão, sei que bem no fundo, entre veios de água cristalina, entre rochas subterrâneas, repousa a minha raiz primordial.

Em tempo de voltar à Alemanha, percebo o quanto meus elos com o passado e com o presente se fortificam em mim  e o quanto incorporo cada vez mais Tübingen, Deutschland,  como minha zweite Heimat.