Em “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo, há uma passagem com a chegada de imigrantes alemães. O tempo é de Páscoa. Uma moça alemã oferece ao Capitão Rodrigo Cambará um ovo colorido, este o recebe, mas não entende seu significado. A moça tenta lhe explicar por meio de gestos, uma vez que não falam o mesmo idioma.
Páscoa sem ovos é praticamente impensável, não é mesmo? Em terras germânicas já se consumia ovos pintados muito antes da era cristã. Ao tempo em que celebravam a festa de saudação à primavera, do despertar da natureza que, depois de longo inverno, volta a se vestir de verde e inunda as pradarias de flores no hemisfério norte. Acredita-se que o costume de presentear crianças com cestos de ovos na Páscoa, tenha sua origem na Idade Média entre os povos germânicos. Naquele tempo era comum, na Quinta-feira Santa, usar ovos para acertar débitos. Antigamente não se podia comer ovos durante o período de Quaresma. E como as aves põem muitos ovos no despontar da primavera, os agricultores aproveitavam para saldar suas dívidas com o Senhores Feudais levando-lhes ovos. Estes recebiam tantos ovos que os distribuíam de presente para as crianças.
Muitos costumes antigos dos povos germânicos permaneceram preservados ao longo do tempo e acompanharam os imigrantes. Assim, tanto na Alemanha, quanto em diversos lares de descendentes de alemães ovos coloridos enfeitam ramos que são recolhidos para dentro de casa e enfeitam cestos. Em minha infância meus pais preparavam enormes cestos cheios de ovos coloridos. Eles dedicavam as noites da Semana Santa à coloração dos ovos e ao preparo de amendoins açucarados, enquanto dormíamos. Quando encontrávamos vestígios da coloração de ovos, diziam-nos que o coelhinho estivera trabalhando. Meu Papa Erwin gostava de lembrar de sua infância, dos ovos escondidos pelos meus avós, em meio a galhos ou ocos de árvores, ou em meio ao gramado. Ele continuou cultivando esta tradição conosco, e eu a continuei com meus filhos. Escondia um ovo em cada dia da semana Santa e um ninho no domingo de Páscoa. Até hoje gosto esconder ovos, para minha família.
O ovo simboliza a renovação da vida, a vida que renasce com a vinda da primavera e simboliza a ressureição de Cristo.
Outra tradição que me foi passada pelos meus antepassados, e que preservo, é a Trança Pascal – o Osterzopf. A receita está registrada em meu livro bilíngue Kochen und Backen für feierliche Tage/ Forno e Fogão para dias festivos. O Osterzopf tem seu fundamento na fé cristã. Uma tradição secular, o seu formato trançado, representa o entrelaçamento entre Deus e o mundo. As pontas da trança também podem ser unidas de modo a formar uma coroa – o Osterkranz – que simboliza o sol e, desse modo, também reverencia Jesus como a luz do mundo. Em diversas regiões germânicas se preserva a tradição de levar este pão especial à igreja, no Sábado de Aleluia, para receber a bênção. Com ele se celebra Páscoa, oferecendo-o no café matinal e vesperal.
Numa parceria entre a Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC e a Universidade Eberhard Karls, de Tübingen, Sabine Heinle e eu selecionamos receitas de Baden-Württemberg e do Rio Grande do Sul e as registramos em Rezepten aus dem Süden/ Receitas do Sul. Neste livro também registramos um pouco sobre formas tradicionais de colorir ovos pascais e com eles também enfeitar o lar.
Texto de Lissi Bender para o jornal Gazeta do Sul