Por Lissi Bender – pesquisadora e escritora
“Sind doch alle Ordnungen des Menschen darauf eingerichtet, daß das Leben in einer fortgesetzten Zerstreuung der Gedanken nicht gespürt werde.” Friedrich Nietzsche, filósofo alemão – A vida do ser humano está organizada para ser vivida em continuada distração do pensamento, para não ser sentida.
Cresci em meio a plantas, árvores, animais. Cresci em meio à natureza. Nela vivenciei, desde pequena que vida e morte são inseparáveis. Aprendi que toda vida obedece a um ciclo. Também nas relações humanas vivenciei a morte integrada à vida, quando o corpo era preparado para o enterro em casa pelos familiares e vizinhos e era velado em sua casa, iluminado por velas e não com luzes artificiais. Aprendi que não há vida sem morte.
Volvo um olhar para o presente e parece que o mundo moderno conseguiu separar não somente a vida entre gerações – como também cresce e floresce a segregação. O mundo também conseguiu apartar a vida da morte. Senão, vejamos: dos hospitais a pessoa falecida vai direto para mãos estranhas de empresas fúnebres. De lá vai para um estranho e frio necrotério. Aos velórios evita-se levar crianças, para não terem contato com a morte.
Do necrotério vai para um espaço sem sinais de vida. Túmulos acotovelados, sem flores, sem árvores, sem sombra, sem bancos. Não há árvores para as aves lá cantarem, fazerem seus ninhos; para os entes queridos sentarem a sua sombra num banco e terem um momento de contato mais próximo com a morte. No lugar das flores, plástico e mais plástico, que se transforma em lixo. Em novembro as pessoas vão ao cemitério sob sol escaldante que dificulta até mesmo finalizar uma oração ao finado. Que se dirá de se permitir um tempo para recordações junto ao túmulo ou para se deixar ficar e refletir sobre vida e morte.
Quando estive pela primeira vez na Alemanha, participei de um Fortbildungskurs (curso de aperfeiçoamento) em München, a convite do Goethe- Institut. Em nossas aulas de cultura alemã recebíamos diferentes atividades para, empiricamente, conhecermos aspectos culturais. Uma, das diversas atividades que me foram conferidas, foi a visita a cemitérios e observá-los, para posteriormente apresentar um relatório de minhas observações em sala de aula. Do que vi, o que mais me impressionou, foi a existência de muitas árvores, de flores plantadas nos túmulos e de bancos em meio ao verde.
Em outra viagem à Alemanha decidi visitar o túmulo de um de meus escritores preferidos, Wolfgang Borchert, falecido em 1947, cuja sepultura se encontra em um dos maiores cemitérios da Europa, o Ohlsdorf em Hamburg. Tive de me valer de um mapa para localizar o túmulo. Em meu trajeto, passei por muitas árvores, por espaços bem ajardinados, por túmulos cobertos de plantas cultivadas. Localizei seu jazigo coberto de flores de amor perfeito. Sentei um instante e li para ele alguns de seus poemas.
Sempre que volto a Tübingen visito o Stadtfriedhof – cemitério da cidade. Lá visito, entre outros, dois famosos poetas do Romantismo alemão – Ludwig Uhland (1787-1862) e Friedrich Hölderlin (1770–1843). Sento em um dos muitos bancos sob a sombra de árvores nas quais aves gorjeiam e fazem ninhos. Aqui, em nosso meio, percebo uma tendência a ampliar o apartheid entre vida e morte. Mesmo em cemitérios do interior já há adeptos do engavetamento de falecidos em altos muros. Sem preocupação com a integração entre o que é inseparável da morte – a vida.